outubro 25, 2011

Expectativas sobre Delfim

Fui surpreendido duplamente hoje ao ler os jornais do dia. Primeiro, surpreendido que uma análise bastante tosca sobre a formulação das expectativas racionais aparecesse apenas hoje, 15 dias depois do Prêmio Nobel concedido a Sims e Sargent. Acreditava que, ao descrever o trabalho deste, apareceriam bobagens ainda maiores que esta lida hoje. Segundo, fui, de alguma forma, surpreendido pelo autor do comentário: a coluna de Delfim Neto no Valor ("Expectativas racionais, para que te quero") é de chorar, tanto pelos argumentos de fundo "teórico" quanto pela pobreza de truques retóricos que tentam iludir o leitor a respeito do entendimento do autor sobre o tema.


Duas pérolas me chamaram a atenção. A primeira, eu resolvo com um gráfico. Diz o autor: "num sistema por hipótese 'não-viesado' de escolha aleatória a probabilidade de selecionar qualquer número entre um e mil é exatamente 1/1000. O problema é que o mecanismo é, por definição, 'não-viesado' quando empiricamente, num número de experimentos (que tende ao infinito), todos os algarismos de um a mil revelam a mesma frequência. Num exemplo tão simples como esse ficam evidentes as dificuldades lógicas de definição da 'expectativa racional'."(aspas do autor) O gráfico que resolve o problema está abaixo. Ele mostra a distribuição teórica de uma distribuição truncada nos dois extremos (beta com parâmetros 2 e 2), para simular "infinitos" experimentos baseados nesta distribuição. Sabendo-se a distribuição, sabe-se a média e, por definição, o "sistema" não é nem viesado e nem assimétrico. O motivo para a probabilidade de ocorrência de uma determinada realização ser igual a todas as outras continua um mistério para o leitor.

Mais tarde, diz o autor: "No nível do desespero, os economistas fizeram uma hipótese heróica: suponhamos que conhecemos o futuro, ou seja, que sabemos qual é o preço de amanhã! É a isso que chamamos de 'expectativas racionais': conhecemos o preço médio de amanhã através das informações que dispomos hoje, o que equivale a eliminar os 'erros' (surpresas) na equação da demanda global." Aqui, a pobreza retórica: conhecer o preço médio não implica, na formulação de expectativas racionais, conhecer "o futuro". O autor oferece a frase de impacto ("sabemos qual é o preço de amanhã!"), para só depois dizer, meio envergonhado, que conhecemos, na verdade, a média. Voltando ao gráfico acima, eu sei que a média da distribuição acima é 0.5, mas também sei que o valor futuro desta variável está contido no intervalo entre zero e um - na verdade, eu conheço todo o processo gerador dos dados. O fato de não conhecer exatamente as realizações futuras desta variável não implica, entretanto, que eu não tenha expectativas racionais! Ter expectativas racionais implica ter um erro médio igual a zero, e não um erro igual a zero para todas as realizações da variável em questão.

A falta de conhecimento por parte do autor fica ainda mais evidente ao confrontar o primeiro trecho do artigo com o segundo listado aqui: se a probabilidade de ocorrência de um evento é exatamente 1/1000, e sabemos todos que a probabilidade é esta, e que o processo gerador de dados é este, então não conhecemos exatamente "o futuro", ou o valor da realização de amanhã. Pelo primeiro trecho, teríamos expectativas racionais; pelo segundo trecho, não.

Talvez eu tenha que reduzir ainda mais minhas expectativas ao abrir o jornal para ler as colunas de Delfim.

Abraços!

3 comentários:

Anônimo disse...

Desculpa a ignorancia, mas supor que o erro medio é zero nao implica em consistentemente acertar e, portanto, conhecer o futuro?

Angelo M Fasolo disse...

Não. Para usar um exemplo de simplicidade equivalente à do Delfim: imagine uma moeda justa, sem viés algum para cara ou coroa. Imagine que a moeda seja jogada repetidas vezes, e caso o resultado seja cara, vc ganha 1 ponto; caso o resultado seja coroa, vc não ganha nada. Se vc afirma que o ganho médio a cada vez que a moeda é jogada é de 0.5, na média vc não erra. Entretanto, ainda que conheça completamente o modelo (moeda justa, que oferece cara e coroa com igual probabilidade), vc não consegue consistentemente acertar o resultado futuro.

Expectativas racionais trabalham com a hipótese de saber o valor médio do retorno da moeda, saber os possíveis resultados, mas não necessariamente saber o que vai acontecer no futuro: especula-se a partir do conjunto de informação corrente, mas erros são possíveis.

Abraços!

Anônimo disse...

Muito obrigado pela otima explicacao!