Resolvi escrever esta nota para exercitar um pouco da intuição econômica, já que mais um semestre de teoria pura se aproxima. O noticiário ainda está um pouco confuso a respeito do dito pacote fiscal do governo, mas a Folha de hoje parece ter feito um esforço para compilar tudo o que estaria decidido até agora. Alguns pontos importantes:
— Composição dos gastos: esta é uma proposta decente, se sair da retórica. A idéia é deixar de gastar em custeio da máquina e utilizar o dinheiro para investimentos. Por conceito, isto não altera o perfil da dívida: é como deixar de ir ao restaurante caro no final de semana para juntar um dinheiro para trocar o carro velho. No final, o volume de gastos é o mesmo, mas o sacrifício de comer em um restaurante mais barato é compensado pelo carro novo. O problema é sair da retórica.
— Mudança no debate: aqui as coisas começam a complicar um pouco. Chamar a atenção para a evolução do resultado nominal, ao invés do primário, é importante, por permitir uma comparação com resultados internacionais. O problema é usar o conceito operacional para encobrir aumento de gastos: equilíbrio no conceito operacional pode ser obtido tanto através de ajustes no consumo do governo como na conta de juros (vou tentar explicar isto em outro post) e isto pode ser uma bela máscara para gastança.
— Previdência: que boa piada! Amarrar todos os gastos e comprometimentos do governo através do salário mínimo até 2023, quando a maior exigência do quadro fiscal é justamente dar maior flexibilidade para o governo manejar as suas receitas. O argumento da previsibilidade dos gastos, dado pelo governo, não funciona muito neste caso: não adianta ser previsível dizendo que será dado um passo à frente na beira do penhasco...
— Salário mínimo contracíclico? A proposta de reajuste do salário mínimo incorporando o crescimento da economia de dois anos atrás pode se tornar um tiro no pé. Vamos pensar no seguinte: imagine a economia aquecida em 2007, relativamente estável em 2008 e em recessão em 2009. Quer dizer que, em 2009, o aumento do salário mínimo terá como base o crescimento da economia em 2007? Ou seja, o crescimento do salário mínimo será maior quando o governo tiver mais dificuldade em arrecadar impostos, pelo fato da economia estar desaquecida? Não funciona. Se o desejo era a criação de um mecanismo anti-cíclico, que se pense em outro sistema que não corra o risco de penalizar tanto as contas públicas.
O pacote é bom? Se for apenas isto, não. As propostas serão efetivamente implementadas? Não. Por quê? Porque toda e qualquer pacote fiscal no Brasil acaba sempre redundando na prorrogação da DRU e da CPMF. O país ainda não evoluiu a ponto de pensar a sério seus problemas de tamanho do Estado.
Veja as notas da Folha aqui, aqui e aqui.
Abraço!
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