abril 26, 2009

Da Inutilidade dos Rótulos

"Você é neo-clássico, monetarista, keynesiano, novo-keynesiano, pós-keynesiano ou austríaco?"

Os blogs de economia, especialmente no Brasil, têm se transformado em uma guerra de rótulos, ao invés de idéias. A pauta mais comum em muitos debates econômicos, ao invés do problema em questão, é assumir (e atribuir ao debatedor) a participação em alguma seita cujos membros lêem os mesmo livros dos mesmos autores. O problema econômico, muitas vezes, é deixado de lado, e o debate converge para o enquadramento do oponente em alguma outra seita que, por conceito (na visão do proponente do debate), está errada na sua análise.

O debate entre neo-clássicos e novos-keynesianos, por exemplo, me parece de uma irrelevância fora do comum. O modelo básico novo-keynesiano (pense na estrutura de preços à la Calvo (1983), por exemplo) nada mais é do que o modelo neo-clássico de crescimento com um processo estocástico derivado de micro-fundamentos para o comportamento de preços e inflação. Tanto isto é verdade que, diante do ajuste do "parâmetro de Calvo" para um valor específico, o modelo todo converge para a estrutura neo-clássica, com otimização intertemporal na alocação entre consumo e investimento, as mesmas restrições a esquemas Ponzi e a mesma alocação no equilíbrio competitivo.

Ainda que as interpretações de alguns fenômenos sejam diferentes, a maior parte das recomendações sobre políticas derivadas destes modelos é muito parecida. Uma boa resenha das diferenças pode ser encontrada em Chari, Kehoe e McGrattan (2008). Ainda que o texto seja uma avaliação dos modelos novo-keynesianos a partir de uma perspectiva neo-clássica, os autores reconhecem:


"This critique should not diminish the fact that the areas of agreement among macroeconomists are now significant. In terms of methodology, we agree that in order to do serious policy analysis, we need a structural model with primitive, interpretable shocks which are invariant to the class of policy interventions being considered. In terms of the models themselves, most macroeconomists now analyze policy using some sort of dynamic stochastic general equilibrium (DSGE) model. This type of model can be so generally defined that it incorporates all types of frictions, such as various ways of learning, incomplete markets, imperfections in markets, and spatial frictions. The model’s only practical restriction is that it specify an agreed-upon language by which we can communicate, a restriction hard to argue with. An aphorism among macroeconomists today is that if you have a coherent story to propose, you can do it in a suitably elaborate DSGE model.
Macroeconomists are also beginning to agree on the nature of the reduced-form shocks needed to be included in a model in order for it to fit the data. In our 2007 work (...), we have argued that two particular reduced-form shocks play a central role in generating U.S. business cycle fluctuations. The efficiency wedge, at face value, looks like time-varying productivity. The labor wedge distorts the static relationship between the marginal rate of substitution of consumption for labor and the marginal product of labor. A consensus appears to be emerging on the importance of these two reduced-form shocks over the business cycle. This emerging consensus implies that we need to develop structural models which generate these wedges from primitive, interpretable shocks.
Macroeconomists also now broadly concur on two desirable properties of monetary policy. One is that the success of policy depends on policymakers’ commitment; the other, that interest rates and inflation rates should be kept low on average. More practically, most macroeconomists are comfortable with some form of inflation target with well-defined escape clauses."


A síntese da crítica neo-clássica se encontra nas hipóteses novo-keynesianas a respeito da origem dos choques, do tamanho dos modelos e da mensuração de alguns choques. Quem não é muito fã de modelos de otimização intertemporal encontra-se fora do debate, basicamente por falar uma "linguagem estranha", onde o mundo se dá o direito de não respeitar (ou o modelo, de esconder) restrições elementares e identidades macroeconômicas básicas (sim, este recado se aplica ao já famoso artigo do professor Buiter).

No Brasil, esta divisão assume uma desproporção incomum. Não vou citar exemplos, mas quem anda pela blogosfera econômica brasileira sabe do que falo. O debate se resume aos seguintes passos:

1) Proposição do problema, feita pelo autor do texto, com uma resposta parcial à questão;

2) Um contra-argumento de algum leitor baseado naquilo que seu grupo leu, muitas vezes ignorando por completo a argumentação original.

3) Uma resposta do autor, citando autores da "sua turma".

4) O enquadramento de ambos debatedores em algum grupo, e a conclusão (sofrível) que o problema não terá uma resposta porque, obviamente, os participantes vêem o mundo de maneira muito diferente e, conclusão derivada, acham que o outro estará sempre errado, por definição.

O debate, neste caso, assume uma dinâmica altamente ineficiente: por um lado, problemas novos lançados à discussão resultam na recuperação do debate anterior entre as "seitas" ("você nunca vai entender isto porque é da seita X"); por outro lado, os problemas antigos não encontram nunca uma resposta relevante, ou um denominador comum de análise, porque o debate sobre o problema em questão foi abandonado, ainda no estágio metodológico, em favor da rotulação mútua. E, o que é pior, muitas vezes o abandono do debate ocorre mesmo quando as diferenças metodológicas são imperceptíveis, como destacado no trecho de Chari, Kehoe e McGrattan (2008).

E que fique claro: a rotulação inútil ocorre não apenas na economia, mas na política, na sociologia, no futebol... tudo se reduz não ao que se pensa, mas ao que consta na carteirinha de sócio do clube.

"Você é neo-clássico, monetarista, keynesiano, novo-keynesiano, pós-keynesiano ou austríaco?"

Macroeconomista.

Um abraço!

8 comentários:

  1. Veja, or exemplo, a primeira questão de Sumners, neste domingo, para ver que rótulos são realmente...rótulos.

    http://blogsandwikis.bentley.edu/themoneyillusion/?p=1075

    A questão da relevância, claro, continua dando lugar às leituras superficiais. No Brasil, dificlmente alguém fala algo mais preciso...

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  2. tony volpon9:14 AM

    Excelente intervencao, voce acertou em cheio. eu mesmo ja tive essa experiencia no meu blog "x" vezes, e para falar a verdade tenho optado por nao mais ccomentar muito o que vejo em outros blogs exatamente pela dinamica esteril que o debate toma. eh uma pena mesmo, e muito diferente dos EUA, onde o debate entre blogistas rende muito mais.

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  3. Chris9:25 AM

    Sei que meu comentário vai ser rotulado, dizendo que minha opinião não é válida porque tem um "vício de origem" (e eu não teria o U do BLUE)... Mas achei o post fenomenal!!!!

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  4. Anônimo1:52 PM

    Se serve de algum consolo, TODAS as discussões na internet sobre QUALQUER assunto sempre são assim. Donde vem aquela expressão "Discutir na internet é como disputar as paraolimpiadas: vc pode até vencer, mas continuará sendo um retardado..."

    Economistas são apenas humanos, quem diria...

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  5. Bom, respostas, respostas e respostas:

    1) Shikida, o mais curioso sobre o artigo do Sumner é que eu adicionei o blog dele nesta semana na barra lateral, vi a chamada do texto, mas apenas reservei para ler (os posts dele têm sido muito grandes para apenas passar os olhos). Hoje pela manhã, depois que coloquei o material no ar, foi que parei para olhar o que ele escreveu. A propósito, na área de comentários, ele quis saber o que o trackback do teu blog estava falando do post dele...

    2) Tony, antes de mais nada, obrigado pela visita. Eu tenho adotado duas estratégias aqui: ou eu falo de um texto que eu sei que não terei o retorno do autor, mas que é relevante pelo número de comentários a respeito (colunas do Élio Gaspari e do Delfim são muito populares neste aspecto em termos de visitas!!! rsrsrsr); ou eu sigo a linha do comentário aqui, sugerindo um problema facilmente observável, mas sem discriminar lugares, sob o risco dos "carimbadores malucos da ideologia" baixarem aqui. Infelizmente, esta se tornou a melhor forma de escrever.

    3) Chris, com estes comentários, não apenas vc perde o U, mas também o B do BLUE... ;-))

    4) Ao anônimo, obrigado pela visita também. O que eu acho pior, dentro do cenário que descrevi, é que nem "vencer" é possível nos debates da internet: o máximo que se consegue é voltar para o grupinho e dizer "escrevi um comentário no blog do fulano, e mandei bala!" rsrsrs... A expressão que vc usou é ótima! E sobre economistas: humanos, sim, mas rotulados, ROTULADOS!!!!!! rsrsrs

    Abraços!

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  6. "No Brasil, esta divisão assume uma desproporção incomum. Não vou citar exemplos, mas quem anda pela blogosfera econômica brasileira sabe do que falo."


    haha, qd li esta frase, ja até lembrei dos eventuais blogs! isso se vê em todo debate que se tenta fazer sobre qlqr assunto =/
    Lembro que no inicio da crise economica atual, eu n lia nada, absolutamente nada que pudesse contribuir (ao meu ver..) para a questão... so via brigas de correntes, disputando quem melhor explicava...

    enfim! abraços!
    ;*

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  7. O exemplo da crise econômica foi bem lembrado, Cibele: ao invés de se discutir o problema, discutiu-se qual "bíblia" estava certa.

    Obrigado pela visita!

    Abraço!

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  8. Excelente comentário, considerando essas "fortes correntes" que temos no Brasil. É por isso que sempre digo que temos que ler TODOS, conhecer TUDO, pois existindo um problema, o que importa mesmo é a sua solução. Abraço,
    João Melo, direto da selva.

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