Para alunos de mestrado/doutorado que estejam pensando em pauta de pesquisa, prestem atenção na seguinte palavra: MICROFUNDAMENTOS! Eu estou fazendo uma revisão de literatura para encontrar alguns números relevantes para um trabalho novo. São raros, raríssimos, os números que podem ser definidos como bem estimados para a economia brasileira.
Exemplo do que estou falando: alguém pode afirmar, com uma boa argumentação, qual o grau (atual) de alavancagem (leverage) das empresas brasileiras? Este número pode definido como a razão entre estoque de dívida/total de ativos, ou estoque da dívida/valor da empresa, ou total de compromissos (liabilities)/total de ativos de uma empresa. Eu vejo na literatura brasileira, especialmente entre os amigos da administração e finanças, muitos estudos baseados em empresas listados na Bovespa. Adivinhem: grande parte deles mostram que empresas brasileira são mais alavancadas que as médias computadas para os Estados Unidos!!! Qual o motivo da distorção? Viés de seleção é uma boa explicação: empresas listadas na Bovespa são naturalmente empresas com facilidade para conseguir crédito, mesmo nas condições brasileiras.
Um estudo que está pedindo quase clemência para ser atualizado é o de Maria Cristina Terra (2003), "Credit Constraints in Brazilian Firms: Evidence from Panel Data". É uma análise interessante das restrições encontradas pelas emprsas brasileiras, baseada em um grupo de dados absolutamente único: balanços de empresas publicados na Gazeta Mercantil e no Diário Oficial no período entre 1986 e 1997. O número de firmas com balanços computados oscila entre 2091 e 4198 por ano. Se forem consideradas apenas as empresas que publicaram balanços em todos os anos da amostra (ou seja, um painel balanceado), o número cai para 550 firmas, o que é pouco mais que o dobro das informações utilizadas em estudos baseados em empresas na Bovespa.
Em termos de resultado, o esperado: o nível de alavancagem das empresas, medido pela razão entre liabilities/total de ativos, apenas começa a se aproximar de valores americanos no final da amostra. O que aconteceu depois de 1997? A tendência de crescimento na alavancagem das empresas continuou a tendência de crescimento iniciada em 1991? A chamada "restrição de crédito para o investimento", encontrada pela autora, ainda se sustenta atualmente? Em que medida? E se o painel fosse não-balanceado, os resultados mudariam significativamente?
Qual a maior dificuldade para a pesquisa? Atualizar a base de dados. Qual o benefício de um trabalho como este? Citações em número (muito) maior que o meu número de leitores no blog.
Tantas perguntas esperando por um estudante de mestrado/doutorado interessado.
Abraços!
"Hazard - 1. A hazard is something which could be dangerous to you, your health or safety, or your plans of reputation. (...) 2. If you hazard or if you hazard a guess, you make a suggestion about something which is only a guess and which you might be wrong." - Do Dicionário "Collins Cobuild"
outubro 21, 2010
Pauta de Pesquisa: "Credit Constraints"
outubro 14, 2010
Sobre o Prêmio Nobel
Gostei do prêmio Nobel de economia deste ano: o trabalho de Diamond, Mortensen e Pissarides sobre desemprego é um dos grandes pilares da macroeconomia moderna, e já estava na hora dos autores serem agraciados com a distinção.
O trabalho destes autores, em termos acadêmicos, é tão abrangente que mesmo colegas que nunca se interessaram pela macroeconomia gostavam dos modelos. Mais do que isto, grande parte dos estudos sobre Social Insurance, muito vistos em microeconomia e "public policy", se baseiam em variações dos modelos destes autores.
Na minha área, os autores que tentam incorporar explicitamente uma trajetória para o nível de emprego, com todos os detalhes sobre ocupação, desalento, população ativa e outros conceitos presentes em economia do trabalho, usam as idéias de Diamond, Mortensen e Pissarides para escrever os micro-fundamentos do modelo. Um bom exemplo da aplicação destes modelos no contexto do DSGE encontra-se aqui.
Minhas lembranças do estudo destes modelos? As piores possíveis. Ainda tenho dores de barriga quando vejo as funções valor necessárias para derivar os resultados. Talvez por isto tenha demorado para escrever sobre o prêmio...
Abraços!
Ricardo "Caetano" Caballero
"Tá tudo errado na macroeconomia, ou não!"
Esta é a mensagem que eu tiro do último texto, muito discutido no Brasil, de Ricardo Caballero (MIT) sobre o estado atual da macroeconomia. O artigo é paradoxal, uma vez que, ao mesmo tempo em que critica a abordagem tradicional de tratamento de "business cycles", o autor cita como passos acertados, ainda que não com a profundidade correta na sua percepção, os seguintes trabalhos:
1) Sims (2003), sobre "bounded rationality", na nota número 5, definido como "important line of recent work".
2) Kiyotaki e Moore (1997) e Bernanke e Gertler (1989), citados na página 12, modelos convencionais de fricções financeiras, já adaptados aos modelos de equilíbrio geral.
3) Hansen e Sargent (2007), entre outros, com os trabalhos sobre robustez, com "substantial progress in incorporating robust control techniques to economic policy analysis".
4) Michael Woodford (2010), no mesmo tipo de trabalho para modelos de bancos centrais.
5) Fernandéz-Villaverde (2009), "It is not nearly enough (although it is progress) to do Bayesian estimation of the dynamic stochastic general equilibrium model, for the absence of knowledge is far more fundamental than such an approach admits".
O que todos os autores e trabalhos possuem em comum? São todos os trabalhos fundamentados, em menor ou maior medida, naquilo que Caballero chama de core da disciplina. Se estivesse tão mal, a macroeconomia faria estes avanços listados, com seus melhores pesquisadores citados como exemplo do caminho a seguir?
A impressão que fica é que ele não gosta da técnica tradicional de Minnesota (vide a referência número 3, na página 7, ao trabalho de Chari, Kehoe e McGrattan, 2007), baseada na calibragem de parâmetros de acordo com dados microeconômicos, mas concorda com o restante, ainda que ache tudo insuficiente. Convenhamos, se os pesquisadores que estão na academia acreditassem que seus trabalhos eram suficientes, eles não estariam na academia, seja porque teriam conseguido empregos melhores para aplicarem suas "técnicas universais", seja porque a universidade não financiaria professores para jogar paciência no computador. Ou seja, o argumento da "insuficiência" do estado atual da ciência sempre estará presente na academia, ou não existiria mais academia.
De útil, o puxão de orelhas para aqueles que acreditam que um modelo é muito mais do que um modelo. Vale aqui o comentário repetido por Jesús Fernandez-Villaverde no seu blog, feito originalmente por um professor que ele omite o nome:
"What is exactly that you are against in DSGE models? Being dynamic? Being stochastic? Being aggregate? Or being a model?"
Sobre a última pergunta feita na citação, Caballero vai muito bem ao ponto:
"If we were to (...) simply use these stylized structures as just one more tool to understand a piece of the complex problem, and to explore some potentially perverse general equilibrium effect (...), then I would be fine with it. My problems start when these structures are given life on their own, and researchers choose to "take the model seriously" (a statement that signals the time to leave a seminar, for it is always followed by a sequence of naive and surreal claims)."
Lembre-se: independente do que você faça, da quantidade de trabalho dedicado e do quanto você acredita no modelo, o que você escreveu é apenas um modelo!
Abraços!
outubro 09, 2010
Um Belo Discurso
Parabéns a Jesús Fernández-Villaverde pelo Prêmio Banco Herrero conferido para o economista de destaque com menos de 40 anos, e pelo brilhante discurso proferido durante a premiação. O discurso merece ser lido e relido por todo o candidato a pesquisador sério na área de economia (e não vale tirar do discurso apenas a dica para se livrar dos chatos em avião).
Abraços!