abril 01, 2007

Racismo

A atual ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, sra. Matilde Ribeiro, está me fazendo o desfavor de acabar com um dos (atualmente poucos) motivos que tenho para me orgulhar do Brasil: a declaração dela a respeito do desgosto contra "quem o açoitou" é apenas mais um exemplo da (des)organização social e política estabelecida desde o início do atual governo.

Por que falar nisto era um orgulho? Não me lembro exatamente como a conversa começou na sala de estudos, mas meus colegas estavam discutindo algo como política de quotas em universidades, e a convivência entre negros e brancos nos Estados Unidos. Tudo em um nível de normalidade, como se não fosse (e é) chocante a separação entre raças no convívio social americano. Nunca fiz referências antes, mas uma das cenas mais impressionantes no ônibus que circula no campus é exatamente a separação de grupos de estudantes a partir da raça: entram os negros, ficam todos juntos conversando entre si; entram os brancos, ficam todos juntos conversando entre si; entram os asiáticos, ficam todos conversando entre si (lembram? Chineses falam chinês...); e não existe contato algum possível entre eles, além de um eventual "sorry" por um esbarrão, ou um "excuse me" pedindo espaço para chegar até a porta de saída do ônibus.

Costumo, até, fazer uma brincadeira sobre a divisão racial na Carolina do Norte que reflete bem a visão "de fora" do povo daqui: na maioria dos estabelecimentos comerciais, o branco é o dono do lugar, o negro é o gerente, o chinês é o cliente, enquanto o latino é o funcionário de mais baixo nível possível da organização, e que ainda fica contente por estar aqui! Parece bem simplificado, mas experimente ir em alguma lancheria de fast-food daqui para entender direito do que estou falando.

A imagem do contraste, especialmente para quem vem do Brasil, é incrível. E tão incrível, que quando fiz esta referência para meus colegas, todos eles disseram que nunca tinham observado a separação por este ângulo (povo jovem, com instrução, mas ainda assim voluntariamente se apartando por raça), e me perguntaram como era no Brasil. Para meu orgulho, pude descrever que venho de um país onde a miscigenação é muito grande, onde quase ninguém pode se identificar como descendente de uma única raça. Óbvio que disse que o preconceito existe (e quem nasceu onde eu nasci, na região onde o povo se refere pejorativamente aos "brasileiros", para se diferenciar dos "italianos" que seríamos, sabe bem do que estou falando – como se a Itália tivesse algum entreposto especial, além da influência lingüistica, sobre aquela região do Brasil), e que é de ambas as partes, mas pude dizer que, mesmo assim, existe a "mistura" e graças à Deus que é assim!

Caramba, como eu saí bem daquela conversa!!! Pude me orgulhar do lugar de onde vim, do que se fez para a formação de um povo em 500 anos, da nossa história. E agora, para o mundo inteiro saber (a entrevista foi feita pela BBC-Brasil), vem uma ministra dizer que, atualmente, o cidadão negro brasileiro pode naturalmente desgostar de um cidadão branco porque o tataravô do seu bisavô foi açoitado durante o período de escravidão. Além de inventar o "açoite intergeneracional", com direito a alto grau de persistência (não tem modelo de "overlapping generation" que possa explicar isto!), a infeliz ainda fica feliz de dizer que agora o Ministério da Saúde está solicitando a identificação de raça em seus formulários, para que "programas específicos" possam atender melhor a população. Como se o problema da saúde pública, agora, fosse também uma questão de raça, ao invés de atendimento. Só falta dizer, também, que negros possuem diferenças fisiológicas fundamentais que justifiquem tratamentos diferenciados. Por volta dos anos 30, apareceu um maluco austríaco na Alemanha falando alguma coisa neste sentido a respeito dos brancos, e contra os negros e judeus. Acho que não acabou em coisa muito boa...

Abraços!

P.S.: a propósito de linguística e o dialeto do Vêneto, para os orgulhosos da minha terra, fiquem sabendo que o "italiano" (língua) que veio para o sul do Brasil é muito mais próximo do espanhol do que do italiano própriamente dito. Ver aqui, comentários sobre algumas flexões verbais, no final da página 4.

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