"O que é importante é que não é o real que está se valorizando diante do dólar, o que é importante é que o dólar está se desvalorizando diante de todas as moedas do mundo. (...) Eu até brincava, outro dia, qual é a agência que está medindo o risco americano? Porque com a crise do suprime que, na verdade, não passa de uma dívida imobiliária, ninguém mediu risco o americano, o FMI não foi lá dar um único palpite na economia americana. E o que nós recebemos agora é apenas o aval de que nós passamos a ser donos do nosso nariz em determinarmos as políticas que acharmos convenientes para o Brasil."
Presidente,
Com todo o respeito que o seu cargo merece, e que os seus assessores também merecem, vou me conceder uma pequena liberdade. Sei que o Estado brasileiro paga pelos meus estudos aqui, em troca de quatro anos de serviços e pesquisas junto ao Banco Central do Brasil - ao que sou muito grato - mas têm certas coisas que eu acredito que meus colegas de serviço público não estão fazendo direito. E por não fazerem direito é que me concedo a liberdade de gastar parte do meu tempo aqui para lhe explicar alguns conceitos e falar um pouco de história. Eu sei que o senhor pode achar o tema chato, mas mais chato ainda, como cidadão, é ver um representante do povo mal assessorado.
Presidente, o "risco-Estados Unidos", mencionado em seu discurso nas Alagoas, por conceito, é igual a ZERO. Pretendo, primeiro, explicar a convenção, e depois tratar dos motivos que levam a esta convenção. Tratando do primeiro ponto (o conceito), o risco de um país é medido através da diferença entre as taxas de juros reais do país e uma taxa de juros real que possua risco de calote, "default", igual a zero. E aqui vem a convenção: os economistas adotam, como taxa de juros sem risco de calote, a taxa de juros dos Estados Unidos. Logo, o "risco-Estados Unidos" corresponde à taxa de juros dos Estados Unidos subtraída da taxa de juros dos Estados Unidos! Se minha matemática não falha, esta conta é igual a ZERO, como afirmei no começo do parágrafo.
Agora, um pouco de história. Por que os economistas escolheram os juros americanos como medida de taxa de juros sem risco de calote? Presidente, eu sei que isto lhe parece estranho, mas recessões e crises fazem parte de países capitalistas. Muitos assessores seus (não os do Estado, mas aqueles que lhe acompanham faz tempo) dizem, a cada recessão daqui, que o fim do capitalismo está próximo, pois os Estados Unidos darão um grande calote no resto do mundo (se o senhor tiver tempo, pode ler o meu comentário sobre isto aqui). Entretanto, os Estados Unidos nunca "pediram auditoria na dívida externa", nem "propuseram plebiscito sobre o pagamento do acordo com credores", entre outras medidas "alternativas" diante de uma recessão.
Por que estas medidas não prosperaram por aqui? Fico com a opinião de um ex-professor daqui com nome famoso, que em sala de aula declarou: "A coisa mais importante que os fundadores da república fizeram neste país ao escrever a Constituição não foi este monte de bobagens sobre liberdades e direitos civis. A coisa mais importante escrita na Constituição Americana foi a obrigação do governo americano em pagar todas as dívidas das colônias junto à Inglaterra. Por isto os Estados Unidos não são..." E aí ele desandou a falar impropérios não publicáveis a respeito de certas economias ao sul do Equador.
A despeito de sua incontinência verbal, meu professor levantou um ponto importante: se um novo país estava sendo constituído a partir daquela Constituição, por que as dívidas de cada membro que forma o novo Estado deveria ser reconhecida? De fato, existia uma pressão muito forte por parte dos industriais do novo país em usar os recursos emprestados pela Inglaterra para satisfazer suas necessidades sem precisar efetuar o pagamento em retorno. Aí veio o Artigo Sexto da Constituição Americana:
clipped from www.law.cornell.edu All debts contracted and engagements entered into, before the adoption of this Constitution, shall be as valid against the United States under this Constitution, as under the Confederation. |
Ops, desculpe, Presidente: faço a tradução. "Todas as dívidas contraídas e compromissos firmados, antes da adoção desta Constituição, devem ser válidos contra os Estados Unidos sob esta Constituição, tal como sob a Confederação". Acho que não é possível ser mais claro, não é?
Agora, comparemos com o histórico de um país hipotético, localizado ao sul do Equador, ainda na América. Este país possui um brilhante economista que resolve documentar o seu histórico do endividamento externo nos dez primeiros anos a partir da fundação da República. O que ele encontra como primeira medida do novo governo republicano? Calote. Outros economistas resolvem fazer estudos sobre este país hipotético e constatam que o país hipotético deu calote, só na dívida externa, SETE vezes em espaço de 175 anos. Note que o número se refere apenas à dívida externa: se verificarmos que também existem calotes da dívida interna, este número sobe mais um pouco.
Assim, Presidente, trazendo de novo para o mundo real, se o senhor tivesse um dinheirinho sobrando, onde aplicaria? Em um país cuja a lei o obrigou a cumprir todos os seus contratos desde o seu nascimento, ou no nosso país hipotético, onde mudanças costumam gerar comportamentos "revolucionários" por parte dos novos ocupantes do palácio de governo? Acho que a resposta é óbvia, não? Não? (Presidente, acorde, Presidente!!! Eu sei que não estou falando do Corinthians, mas estou me esforçando nas metáforas, Presidente! Obrigado!)
Por isto, Sr. Presidente, não fale mais em "risco-Estados Unidos": além de uma bobag..., ops, um erro pela falta de informação dos seus assessores, isto só reflete um recalque diante da história de um país que deu certo. Espero que seus assessores sejam mais cuidadosos ao preparar seus discursos. Fico envergonhado ao ver o senhor falando estas coisas, seja pelos seus assessores (que não lhe explicam estes detalhes), seja como contribuinte (que exige que o senhor seja bem assessorado para não fazer papel de bobo).
Grato pela atenção, e desculpe tomar-lhe o tempo.
Abraços!
7 comentários:
Bom, para o Lula essa mensagem será inútil, mas para mim foi interessante pois eu não conhecia o mecanismo de cálculo da taxa de risco.
brilhante! Fantastico! Maravilhoso!!!!!
E, à diferença daqueles que o assessoram, vc. escreveu com FATOS e de modo educado!!!!
beijos!
Agora, francamente, né? 11:30 da noite, dia do aniversário de casamento, e o cara está escrevendo carta pro lula-lelé, ao invés de escrever pra esposa....
O que me resta a fazer???? Chamar o Ricardão????hahahahahaha!
beijos!
te amo!
Não gostou do presente? Não gostou do jantar? Não gostou do pós-jantar? Tudo bem: terá quem goste... rsrsrsrsrsrsr
Beijos, TE AMO!!!
Angelo
hahahahahaha!!!!
beijos!
te amo!!!
Chris
PS: sim, gostei de TUDO - e muito!! (tem quem goste, mas tem tb quem nao escreveria pro presidente, viu? hahahahahahaha)
Bom, para mim - que em se tratando de economia sou mais leigo que Lula - o post pareceu bastante elucidativo. gracias
Gustavo e Cláudio,
Muito obrigado pela visita! Imagino que vcs tenham chegado por aqui pelo Degustibus blog. Não sou tão didático quanto o Shikida (e nem pretendo ser: talento para ensinar é mérito de poucos), mas obviamente vcs são muito bem-vindos por aqui!
Abraços!
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